Caterham 485R - Quando a brincadeira muda de tom...




Já passaram 2 anos desde a minha última experiência com um Caterham, nomeadamente, com um 275S, e posso garantir-vos, ainda hoje me lembro de cada pormenor associado àquele "brinquedo". Mas desta vez, a Caterham Cars Portugal decidiu aumentar o tom da "brincadeira"...

Eis que, uma vez mais no nº108 da Avenida Miguel Bombarda, em Lisboa, surge um 485, cinza rato, com stripes laranja e o número 7 a condizer, na grelha. O 485 é o segundo Caterham mais visceral à venda, situando-se imediatamente antes da "viúva negra" que é o 620R (vá, eu apelido o 485 de "viúvinha negra", mas já vão perceber o porquê) e entra num mundo mais sério no que toca a performance.



As primeiras impressões, ao sair do stand, foram estranhamente agradáveis. Os bancos em carbono acomodam bastante bem o corpo, assim como garantem uma posição de condução mais baixa face ao 485S e 275S, o que é óptimo devido à falta de regulação do volante, sobretudo quando se estão a dever alguns meses ao ginásio... Face ao 275S, o 485R revelou-se muito mais agradável de conduzir no pára-arranca dentro da cidade, fruto do superior binário, graças ao motor 2.0L Duratec, de origem Ford. Este motor, alterado pela Caterham, debita 240cv a umas viciantes 8500RPM e ainda 206Nm às 6300RPM. No papel, pode parecer "pouco", mas não nos podemos esquecer de um dos lemas da Caterham, "Simplify, then add Lightness.". Traduzindo em números, são somente 525kg! Os clássicos 0-100km/h são cumpridos (e confirmados) em apenas 3,4 segundos e... Em números mais interessantes, os 180km/h são atingidos em apenas 12,7 segundos... É despachado, digamos. E podem existir alguns arranques acidentais a patinar, a sair de semáforo... Acontece...!


Este 485 tem o pacote "R", que se distingue pela presença mais óbvia de componentes em fibra de carbono, pelo chassis com fundo mais baixo, suspensão regulável, bancos em carbono e cintos de 4 pontos, que lhe marcam ainda mais um carácter mais impestuoso que aquele que tinha memória do 275S. O chassis, é o mesmo do 275S que testei, "SV", sendo mais largo e comprido que o chassis normal, porém, é mais refinado no 485 e, apesar de este R estar na configuração mais rija e baixa, não comprometeu uma utilização mais "normal". A traseira também se mostrou mais "alegre" a sair de curva... Mesmo tendo em conta os muito aderentes semi-slicks Avon ZZR! A nível de médias, bem... Não vale a pena falar de um assunto tão trivial num Automóvel destes... Digamos que no Ribatejo come-se bem, combinado?



Mas chega de pormenores, após estas observações, enfiei a boina na cabeça e segui uma viagem de 90km para o Ribatejo onde, por um fim-de-semana, teria este 485R ao meu dispor... Mais que um ensaio, ou experiência de condução, queria sentir um regresso ao básico da condução, aquilo que nos apaixonou, Petrolheads, desde o primeiro poster ou miniatura que recebemos. É de louvar que, nos dias que correm, em que os "0"s e "1"s substituem cada vez mais o analógico, ainda existam marcas como a Morgan e a Caterham que ainda produzem automóveis "à antiga". É de louvar que, ainda no século XXI, consigamos ter uma experiência muito próxima à delineada por Colin Chapman. Afinal, foi com esta simplicidade que se fizeram (e fazem) grandes pilotos, não é?



E por falar em paixão de Petrolheads, não demorou muito até ser um autêntico alvo de carspotters. Não é de estranhar, dado que não são todos os dias que se vê um Caterham armado até aos dentes a circular na via pública. Apenas não esperava ser filmado durante praticamente toda a viagem em auto-estrada! Não é um bom automóvel para pessoas que procuram discrição...



Por esta altura, devem estar a perguntar a vocês mesmos porque não optei antes por dar uma volta pela serra da Arrábida, ou até mesmo pela mítica serra de Sintra... Bem, várias razões, creio que já se torna demasiado cliché levar um automóvel deste calibre para os ditos locais e, por outro lado e talvez pelas minhas raízes Ribatejanas, as estradas que me dão mais prazer em conduzir são as que circundam os campos de arroz, sobretudo na altura em que levei este Caterham, no início do Verão, em que a temperatura começa a ficar amena ao final da tarde e os campos de arroz se mostram num verde que se perde no horizonte realçado pela Golden Hour... Não dá para explicar, só sentindo, e com algo tão puro de conduzir sob o meu comando, não podia perder esta oportunidade.


Confesso que não esperava encontrar tanta diferença para o 275S, mas o que mais me impressionou foi a facilidade de adaptação à condução do 485R. Muito natural, precisa e deliciosamente eficaz, com a traseira a deslizar suavemente a percorrer a curva... Suavemente, dependendo da vontade, porque um bocado mais de força no pedal de acelerador e vira-se o feitiço contra o feiticeiro... E é assim que se fazem viúvas!



O motor responde prontamente em qualquer regime, mas é a partir das 5000RPM que ganha uma segunda vida. E que vida. Confesso que não consegui andar muito tempo abaixo dessa rotação... A caixa é curta, com um tacto mecânico muito agradável e a manete, tal como no 275S, encontra-se em posição correcta, próxima do volante. Volante esse, de dimensões muito reduzidas face ao comum automóvel, mas que nos permite apontar exactamente para onde queremos. A direcção é assistida... A braços. Contudo, tem peso correcto, não sendo excessivo. Por fim, a travagem é progressiva, exigindo algum vigor em travagens mais fortes. E acreditem, com a facilidade que este 485R tem em acelerar, senti que a legpress do ginásio é para meninos...





"Mas só andaste rápido com o Caterham?", devem estar a perguntar. A resposta é "Nim". Se por um lado, este é um daqueles automóveis que vicia pela emoção que transmite ao volante, por outro lado, permite atingir o Nirvana numa volta menos apressada. E é aí que as Lezírias ribatejanas entram em jogo. Conhecendo bem os troços entre Salvaterra de Magos, Biscainho e Coruche, existe um bom rácio de curvas e rectas que permite manter ritmos vivos com uma paisagem tipicamente ribatejana, em tons de verde e amarelo, e com os pivots de rega a cumprirem a sua missão nesta altura do ano. Mas são nas estradas dos campos de arroz, alcatroadas, claro, onde realmente se consegue adoptar um ritmo mais calmo, especialmente se as cruzarmos ao fim do dia, com o Sol a meter-se exactamente onde terminam os campos de arroz, e onde avistamos uma leve neblina a começar a cobrir a serra de Montejunto, ainda com a luz da Golden Hour. E isto tudo, a apreciar o bem audível gorgolejar do escape, que andou praticamente todo o tempo de válvula aberta... É fácil perceber a minha escolha, não é? Mas não andei só pelos campos de arroz...



Com o final do dia, vem a noite, e com a noite, vem o teste a um dos mais recentes extras que se podem pedir nos Caterhams. Faróis full-LED. Intrigante, não é? Colocar um extra com um tipo de tecnologia recente em algo concebido nos anos 50 (sim, leram bem) não é algo comum de se ver. As DRL consistem numa fina linha de luz, a lembrar um pouco os faróis "blackout" da WWII. A iluminação é soberba em médios, com boa difusão e dispersão da luz embora, talvez devido à afinação de suspensão que este 485R apresentava ou à montagem dos faróis, recebesse umas flashadas de vez em quando. E todos sabemos o quanto "irrita" levar com luzes desta intensidade... Creio que, neste caso, fosse apenas uma questão de ajuste. Quanto aos faróis em máximos, não foram tanto do meu agrado, dado que a secção inferior do farol em LED desliga-se, e tudo o que vemos à nota frente é um bloco rectangular iluminado numa posição acima da que terminaria em médios.



Continuei a minha volta durante a noite com o objectivo de tirar algumas fotos noturnas perto do Jardim das Portas do Sol, em Santarém, onde decorria a Feira Nacional da Agricultura. Com pouco movimento no centro da cidade, consegui fazer algumas longas exposições e apreciar o conjunto visual deste Caterham com as luzes ligadas. Falando em luzes ligadas, outra diferença face ao 275S prende-se na iluminação do quadrante. Enquanto que o 275S apresenta uma iluminação "à antiga" com iluminação sobre os mostradores, o 485R possui iluminação de fundo, dando-lhe um ar um pouco mais moderno e, francamente, mais apelativo. Não demorei muito tempo a apreciar, nem a tirar fotos, não só porque o vício da condução já estava a apertar comigo, mas também porque a presença da FNA significava uma coisa... Muitas operações STOP. Não as condeno, atenção, suporto a existência das ditas, são extremamente necessárias, sobretudo porque a FNA mete bom vinho na mesa, mas convenhamos... Verdade seja dita, o automóvel que conduzia, não era propriamente "cop friendly". Pelo menos a julgar pelos olhares fixos no Caterham enquanto passava devagar.



Bem, a verdade é que só me apercebi que tinha a válvula de escape aberta quando cheguei a casa e, ao virar para a minha rua, o 485R mandou um valente ratere que disparou o alarme do carro de um conterrâneo...


O dia seguinte foi um pouco "mais do mesmo", mas sem a parte do aborrecimento associado à frase. Também não queria entregar o Caterham à entidade de imprensa que se seguia, um fim de semana estava a saber a pouco, mas teve de ser. A Caterham precisa de nós, com a publicidade que lhes damos, assim como precisa de nós para mantermos o legado. E por falar em manter o legado, em quanto ficaria a brincadeira? A Caterham Cars Portugal coloca o Caterham 485 a começar nos 62 914 euros, mas esta unidade, graças ao pack R e aos faróis LED, ascende para perto dos 80 000€. São valores altos, sem dúvida, e que se aproximam de outras propostas do mercado, mais "recentes", mais confortáveis (ou não) e mais seguras...



Então o que justifica gastar tanto dinheiro num Caterham? O Legado? A pureza da condução? As sensações que se obtêm? Em suma, tudo isso e performances em arranque que podem fazer corar alguns supercarros recentes. Os impostos em Portugal também não ajudam, mas a verdade é que, para quem gosta mesmo de conduzir, não há valor que pague o que um Caterham nos dá... Sócrates dizia: "Só sei que nada sei", mas eu digo que uma coisa sei, que preciso de um mealheiro...